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Writer's pictureMaria ISAAC

Era uma vez, a Poesia

Dos antigos trovadores aos modernos poetas de rua, a poesia tem sido a voz dos sem voz, o eco dos apaixonados e o sussurro dos desesperados.

 

Que magia milenar é esta, de simples palavras em versos?

Como conseguiram os novos poetas fazer os seus versos sair das folhas?

E, afinal, o que é um poema?


Neste episódio poético, vamos explorar o poder deste género literário onde os versos e a linguagem espelham a alma não só do poeta, mas também a do leitor, num labirinto de formas, emoções e sonhos.


Bem-vindo a um novo episódio!



***


Desde os primórdios da civilização que a poesia está entre as formas de expressão humana, uma das artes com legado duradouro que percorre várias eras da nossa história.

Por estes dias tem-se falado muito de poesia e quando pensei em gravar um episódio aqui no podcast sobre o tema, o primeiro propósito que me veio à cabeça foi de contribuir para que se leia mais poesia, porque é um género que definitivamente não tem a popularidade que mereceria ter e acredito que tem muito para nos dar.


Confesso, já, que não leio muita poesia, e estou a dizer isto de uma maneira a não parecer muito mal, porque quando digo não leio muita poesia, estou a escapar-me de ser específica e por isso confesso toda a verdade: há anos em que não leio nada, sim, menos de 1 livro de poesia por ano, a minha média é decimal. A vergonha!


Ora, uma das formas mais simples de alimentar a curiosidade de alguém para alguma coisa a que não estão a dar a devida atenção, é primeiro, mostrar-lhes o que estão a perder, e segundo, tentar perceber as suas razões para oferecer soluções… Ou talvez seja ao contrário: primeiro tentar compreender e depois mostrar-lhe o que estão a perder,

Seja qual for a ordem, acho que dá para perceber a minha ideia, e neste tipo de tentativas de convencer alguém de alguma coisa, o engraçado é que acabamos sempre a desconstruir as nossas próprias ideias iniciais. 


Porque ao andar aqui pelos campos verdejantes da maravilhosa da internet a ler artigos sobre poesia, acabei por mudar a minha percepção sobre algumas coisas. Não quero dizer com isto que eu já não acho que a poesia é maravilhosa e todos a devemos ler, porque sim, vamos lá ler mais poesia meus senhores e minhas senhoras, o quero dizer é que aprendi umas coisinhas mais sobre as muitas facetas da poesia.


Umberto Eco disse: Há uma diferença imensa entre poesia e prosa. Na poesia as palavras vêm primeiro e depois segue-se o que se quer dizer.

Numa entrevista Umberto Eco conta um episódio caricato sobre o poeta Eugênio Montale (poeta italiano, consagradissimo, vencedor do Prémio Nobel da Literatura em 1975 e que depois desapareceu na reclusão), parece que Eugênio Montale, que escreveu um poema lindíssimo intitulado “As anémonas” considerado um dos marcos da poesia italiana moderna, no qual descreve as anémonas num tom melancólico, usando-as como metáfora para explorar a passagem do tempo, a fragilidade da vida, um mundo de reflexões sobre a condição humana… então, parece que certo dia, estava Eugênio Montale a passear e viu anémonas, e diz: ah que flores lindas, o que são? Inacreditável, ele tinha escrito um poema maravilhoso sobre anémonas e desconhecia por completo a flor. Aliás, não só aquele como muitos outros. E foi então que Eugênio Montale disse: os meus poemas são sobre as palavras, não sobre as coisas. 

E Umberto Eco concluiu então que: na prosa é diferente: primeiro existe um mundo, nesse mundo certas coisas acontecem, e a linguagem segue a história. Eis a diferença radical entre poesia e prosa.



Também me apercebi de que, uma das razões pelas quais a linda da poesia é enjeitada, até por nós grandes leitores, é por sofrer de idadismo, a coitadinha é de facto discriminada pela sua idade, por ser antiquada, dizem alguns.

Ainda que, seja de facto muito antiga, deveria como diz o ditado: como o vinho do Porto, a idade deveria dar-lhe credibilidade pela sua resiliência e por ter conseguido sobreviver milhares de anos e ainda continuar por cá.


Esta verdadeira arte milenar e global, tem a sua origem em quatro grande polos:

  • Na antiga Mesopotâmia, há mais de quatro mil anos, os escribas sumérios registavam as epopeias de heróis em placas de argila, 

  • No Egito antigo, celebravam-se os faraós em versos inscritos em monumentos e papiros

  •  enquanto que os gregos produziam obras-primas como a "Ilíada" e a "Odisseia", atribuídas a Homero

  • Já na Pérsia, o poeta Rumi (que eu adoro!) encantou o mundo com sua poesia sufista, transmitindo mensagens de amor, união e espiritualidade. Ele escreveu: "A alma não tem segredo que o comportamento não revele."



Existem demasiados exemplos de grandes poetas que moldaram o curso da história da poesia para ser possível eu enumerá-los aqui, e sabes que há poucas coisas mais difíceis do que escolher entre coisas boas, então quando se fala de livros e escritores, o nosso cérebro humilha-nos com azelhice.


Mas se olharmos para a nossa história, a poesia do nosso cantinho aqui à beira-mar plantado, o primeiro que nos vem à ideia até pode ser Camões e “Os Lusíadas”, mas antes dele Portugal já era o lar de poetas que imortalizavam a essência da alma lusa, lá mais atrás, nos primórdios da lírica trovadoresca, com Paio Soares e Dom Dinis. Tivemos o Romantismo com Almeida Garrett e Alexandre Herculano, só depois muito mais tarde, só bem depois de todos eles, e porque eu seria crucificada se não mencionasse o seu nome neste episódio: veio Fernando Pessoa …e mudou a nossa vida para sempre.


Com tudo isto e muito mais para descobrirmos, então porque é deixada para trás a linda da poesia? Porque somos nós tão cruéis?

Muitas vezes, a resposta mais simples é a mais verdadeira; a razão pela qual muitos leitores não lêem poesia é apenas porque preferem outros géneros literários, as narrativas, romances, mistérios, ou não-ficção… e sendo como é tão difícil arranjar tempo para conseguirmos ler sequer o que mais gostamos, imagine-se as “outras coisas”, outras coisas menos familiares, das quais até nem sabemos muito… 

E não sabemos muito porque, vamos lá ao busílis da questão, há de facto uma percepção geral de irrelevância, de que a poesia, tal como infelizmente muitas artes, são irrelevantes e por isso facilmente passam despercebidas. Se a literatura no seu todo, sofre de uma falta crónica de visibilidade, a poesia é quase ostracizada. É como digo: a coitadinha da poesia.


O que nos deixa naquele ponto do dilema do ovo e da galinha. Quem nasceu primeiro? É a falta de popularidade da poesia que causa a sua falta de visibilidade? Ou a ausência de uma aposta por parte do meio literário a causa deste abandono?

Se o menciono é porque compreendo, é o que é, escolhas têm sempre de ser feitas nas nossas decisões de leitura… mas… (claro que estou a dizer isto tudo porque tenho um mas e te quero convencer a ler mais poesia) mas muitos de nós mantêm ainda uma imagem da poesia que adquirimos na escola, um preconceito que tem muito pouco que ver com a verdadeira poesia contemporânea, que mudou muitíssimo ao longo dos séculos e se reservarmos um tempinho para a redescobrir, vai surpreender.

Muito recentemente, tivemos um exemplo que veio contrariar um pouco esta apatia poética. Rupi Kaur, autora de Leite e Mel, e também de O Sol e as Suas Flores.

Vimos pela primeira vez em muito tempo, livros de poesia em destaque nas grandes livrarias, o que vem provar que sim, é possível termos novos poetas e exemplos de sucessos contemporâneos.

Pode ser a exceção que confirma a regra, mas também pode ser a prova viva de incentivo às editoras para publicação de mais poesia e para os nossos queridos poetas coragem para tirarem os versos da gaveta, ou do Google Drive, porque agora somos todos digitais.

Para além da Rupi Kaur, existem outros poetas contemporâneos que poderás experimentar conhecer, como 

  • Amanda Gorman que se tornou famosa por recitar um poema na posse presidencial de Joe Biden, no qual abordou temas de justiça social e esperança.

  • E também Maggie Smith: Conhecida pela sua poesia emotiva, e de leitura muito acessível, sobre temas muito atuais como a maternidade, perda e resiliência.


Em português, para além da incontornável Florbela Espanca, outro nome que não podia deixar de mencionar neste episódio, podes dar uma leitura nas nossas contemporâneas Filipa Leal ou a Rosa Maria Martelo.


E se tu tens sugestões para mim, elas serão muito bem vindas, porque já confessei, com muita vergonha, que não leio tanta poesia como gostaria! De preferência, poetas portugueses.


Como disse Eugénio de Andrade “é na nossa poesia que se encontra isso que os políticos tão afanosamente buscam: a nossa identidade“.



Uma das formas que a poesia assumiu durante as últimas décadas e através da qual está presente na nossa vida diária é através da música.

Muitas vezes, os músicos encontram inspiração nas obras de poetas consagrados e transformam poemas em canções que nunca mais nos saem da cabeça. 


Exemplo clássico desta união em português e talvez dos mais conhecidos que já deves estar à espera que fale nele, é: o poema Pedra Filosofal de, mais um dos meus poetas favoritos, António Gedeão, cantado por Manuel Freire. 

Mais exemplos, agora internacionais, é a união entre a poesia de Walt Whitman com o talento musical de Bob Dylan. Bob Dylan que, se bem te lembras, porque não foi assim há tanto tempo, ganhou o Prémio Nobel da Literatura em 2016, porque é ele próprio também um grande poeta.


Além dele, muitos outros músicos contemporâneos se vêm tornando os novos poetas, com as suas próprias palavras, as letras das suas canções, com as quais dão visibilidade a questões sociais, políticas e ao tema-rei que nos toca a todos: o amor e também os desamores. De Bob Marley a Patti Smith, até às icónicas Lana Del Rey e Taylor Swift, não esquecendo claro, nunca, nunca, os portugueses como a Gisela João, Bárbara Tinoco, Capicua, Carlão e CAIO, um dos meus músicos portugueses favoritos.


Sim, eles são muitos, felizmente, imensos músicos conhecidos não apenas pelo seu talento musical, mas também pelas suas letras profundas e poéticas, que vão muito para além de uma expressão artísticas banal de entretenimento e conseguem arrebatar-nos com reflexões sobre as muitas facetas da nossa condição humana.


Com tantas facetas, o que parece é que cada vez mais se torna difícil reconhecer um poema, o que é um poema? E ainda mais, o que é um bom poema? Tão fácil de responder como, o que é um bom livro?

Eu poderia até tentar responder, e partilhá-lo aqui, mas tenho a certeza que a maioria das pessoas que me possam ouvir, vão discordar, tal como eu muito provavelmente iria discordar da sua opinião do que é um bom poema, um bom livro, e isso é bom, e é a razão pela qual precisamos de muitos artistas, músicas, poemas, livros, muita muita arte.



A arte é um reflexo de quem a cria, espelhado nos olhos de quem a sente, e por isso todos somos espelhos únicos.

A poesia oferece-nos uma capacidade mágica de expôr em poucas palavras até as emoções mais complexas.

Dos poetas que escrevem os seus versos, os leitores que os leem, a poesia tem o poder de confortar ambos, de nos mostrar a todos que não estamos sós nas nossas alegrias, tristezas, nas lutas e desafios que nos tornam quem somos.

A poesia eleva a música, tornando as grandes canções em histórias inesquecíveis que nos falam ao coração, reflexões sobre a condição humana, guardando em si a beleza, dor e complexidade da vida em todas as suas formas. 

Um verso pode guardar um instante ou toda uma vida, falar apenas ao poeta que o escreve ou a todo um país, passar fronteiras de culturas, ideologias ou ódios, porque sentir, todos sentimos igual


Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo...

Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer,

Porque eu sou do tamanho do que vejo

E não do tamanho da minha altura…


Versos de Alberto Caeiro em “A espantosa realidade das coisas” para terminar este episódio poético do Palavra podcast.



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