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Writer's pictureMaria ISAAC

O que aprendi com… Clarice Lispector

Ela deixou-nos títulos inesquecíveis, como: “Perto do Coração Selvagem”; “Laços de Família”; “A Hora da Estrela” e “A Paixão Segundo G.H.”

Clarice Lispector é incontornável na literatura lusófona, mas eu, acabei de a descobrir e ainda estou a recuperar o equilíbrio... depois do choque.

Como não poderia deixar de ser: algumas lições foram aprendidas… que têm de ser partilhadas. Aprendi que: as palavras podem transformar-se numa sinfonia; que é possível ler com o coração e os sentimentos; que podemos reconhecer a beleza num livro, e ainda assim não o compreender... e que, Clarice Lispector, com certeza, ainda terá muito mais para me ensinar.

Bem-vindo a este novo episódio!

Clarice Lispector é um nome que facilmente reconhecemos; escritora incontornável da literatura brasileira, tornada símbolo cultural.

Estas três frases resumem bem, o pouco que eu sabia sobre esta escritora, quando comprei “A Paixão Segundo G.H.” na última Feira do Livro de Lisboa.

Ao abri-lo, podemos ler na primeira página a mensagem com que a autora recebe os possíveis leitores:

“Este livro é como um livro qualquer. Mas eu ficaria contente se fosse lido apenas por pessoas de alma já formada. Aquelas que sabem que a aproximação, do que quer que seja, se faz gradualmente e penosamente - atravessando inclusive o oposto daquilo que se vai aproximar. Aquelas pessoas que, só elas, entenderão bem devagar que este livro nada tira de ninguém. A mim, por exemplo, o personagem G. H. foi dando pouco a pouco uma alegria difícil; mas chama-se alegria.”

Como não ficar cativada? Com uma primeira página assim.

Se já leste Clarice Lispector, aposto que agora mesmo te fiz sorrir e anuir em condescendência para com a minha ingenuidade. Sim, eu não estava preparada para o que se seguiria: um choque narrativo, do qual ainda estou a recuperar o equilíbrio.

Vamos agora, a um pequeno excerto do livro: “Vou criar o que me aconteceu. Só porque viver não é relatável. Viver não é vivível. Terei que criar sobre a vida. E sem mentir. Criar sim, mentir não. Criar não é imaginação, é correr o grande risco de se ter a realidade.”

Perceberam? Eu… ainda não…

Naturalmente fui à procura de ajuda neste lugar maravilhoso chamado internet e o que encontrei foram muitas palavras como: enigma, imaginário, experimental, labirinto, paradoxo… e isto, resume muito do que é a escrita de Clarice Lispector.

Neste livro, “A Paixão Segundo G.H.”... G.H. é uma mulher, a personagem central do livro cujo monólogo acompanhamos. Depois de despedir a sua empregada, ela decide fazer a limpeza do quarto que esta ocupava e… num armário, depara-se com uma barata! O encontro provoca em GH diversos sentimentos e leva-a a atos estranhos, como: matar a barata e decidir depois... prová-la. Todo o livro é essencialmente um longo monólogo interior que se vai transformando, e que foi difícil de acompanhar.

Logo desde o seu primeiro romance, intitulado: “Perto do Coração Selvagem” Clarice Lispector apresentou um estilo de narrativa distinto e invulgar, virado para dentro, em formato de monólogo interior, em histórias nas quais os seus protagonistas são marcados por imperfeições - se os avaliarmos face aos comuns valores sociais -, e também por explorar o fosso entre as expectativas que temos da vida e a realidade.

Ora, todos sabemos um bocadinho sobre monólogos interiores, porque temos de ouvir os nossos e… ao ler Clarice Lispector, fiquei mais descansada porque, afinal, parece que a força da corrente destes nossos pensamentos é um set-up generalizado, e nas nossas cabeças os ventos das incertezas são, transversalmente, imprevisíveis.

O mais estranho na leitura deste livro foi... sentir-me à deriva a maior parte do tempo, mas ainda assim reconhecer um ritmo… uma espécie de melodia, que me fazia senti-lo… uma coisa, hipnotizante.

Um pouco desmotivada, admito, vi-me a ler menos páginas de dia para dia, e parece-me que, talvez por esse mesmo abrandamento, comecei a gostar cada vez mais do livro. Coisas estranhas!

Já me disseram que esta escolha não foi a mais acertada, para me iniciar na obra de Clarice Lispector, que talvez a “Hora da Estrela” fosse preferível. Também me sugeriram, começar pelos contos, para me familiarizar com o estilo de escrita, e então passar aos romances. Tarde demais para mim, mas poderás fazer uso da dica, se ainda chegar a tempo, para ti.

Se, como eu, ainda assim sentires dificuldade ou até possivelmente não o conseguires perceber de todo, não estarás sozinho. A própria Clarice Lispector refere em entrevista, que um professor universitário a abordou, lamentando-se por já ter lido um livro dela quatro vezes e continuar sem o perceber - há que lhe reconhecer a persistência -; e no entanto, ela também refere uma jovem adolescente que lhe disse que tinha o mesmo livro como livro de mesa-de-cabeceira, de tanto, que o adorava.

Livros e os seus leitores, são sempre combinações únicas; e em Clarice Lispector, experiência de leitura parece ser mais pessoal e singular do que nunca.

Existem muito poucas entrevistas a Clarice Lispector. Assisti à que deu à TV Cultura e convido-vos a vê-la, porque vão descobrir uma mulher peculiar que: Não hesita em assumir que “não sabe”, que “as suas respostas são imprecisas ou incompletas, ou simplesmente, a recusar responder a perguntas. Ouvi-la hoje, neste nosso contexto social em que nos vemos rodeados de pessoas com opinião sobre tudo; de informação que nos faz sentir no dever de também nós termos uma resposta a tudo; foi muito bom ouvi-la dizer “não sei” "desculpe, não vou responder”, porque me lembrou que estas continuam a ser opções válidas.

E quando o entrevistador lhe perguntou: a partir de que momento decidiu assumir a carreira de escritora profissional, Clarice Lispector responde: “eu nunca assumi, não sou uma profissional, só escrevo quando eu quero, eu sou uma amadora e faço questão de continuar a ser uma amadora. Profissional é aquele que tem uma obrigação consigo mesmo, de escrever, ou então com o outro, agora eu, faço questão de não ser uma profissional para manter a minha liberdade”

Ao longo da entrevista, ela confessa não ter objetivos, escrever apenas por escrever; ser tímida e ousada ao mesmo tempo; diz: “só estou triste hoje, porque estou cansada, de um modo geral, sou alegre”; sem medo do longo silêncio que se segue, nem de confessar que nos períodos de hiato, em que não escreve, é muito duro, quase uma morte, mas necessário, um esvaziamento para que depois algo possa nascer, uma escritora que escreve sem esperança, convicta de que o que escreve não altera nada.

“Então porque continuar a escrever, Clarice?” Pergunta o entrevistador e todos nós. Ela acende um cigarro e responde: - E eu, sei?

Só li este primeiro livro, muito pouco para tirar conclusões, mas, neste momento, se ainda não me rendi à obra, sem dúvida, que me apaixonei pela escritora.

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